Crônica: A Assembleia de Dr. Mamón

Era noite fechada quando a gaveta bateu com força, chamando à ordem.


— Senhores, estamos em crise. — anunciou o presidente da mesa, Dr. Mamón, com sua voz grave de autoridade antiga.

À sua frente, alinhavam-se os membros do conselho: as chaves do carro do ano, reluzindo sob a luz fraca; o passaporte, carimbado de lembranças de destinos requintados; o cartão de crédito black, sempre ereto como um trono portátil; e a caneta de luxo, que já assinara contratos e decretos importantes.

Dr. Mamón ajeitou-se e prosseguiu:
— Nosso cliente sumiu. Desde que teve aquele encontro com o tal Nazareno, não nos presta mais devoção. Já não corre atrás de nós, já não mede a vida em cifras. Meus amigos, corremos o risco de desaparecer de seu coração.

As chaves do carro tilintaram, ofendidas:
— E não é pouco! Ele me usava para ostentar, mas agora… já levei gente que nunca pisaria num banco de couro para hospitais na madrugada. Carrego caixas e mais caixas de cestas básicas! Isto é ultrajante para um carro do ano.

O passaporte abanou suas páginas com desdém:
— Estranhíssimo! Antes me orgulhava de cafés em Paris, praias no Caribe, roteiros exclusivos. Agora, só carimbos em lugares esquecidos, povoados carentes, missões onde ninguém sonharia em passar férias.

A caneta de luxo deu um suspiro pesado, com certo orgulho ferido:
— Eu, que assinava promoções, cargos altos, contratos que faziam os outros se curvarem… agora só registro decisões humildes. Ele trata subordinados com gentileza, como se fosse igual a eles. Não há mais vaidade no posto que ocupa.

O cartão black bateu na mesa, impaciente:
— Ao menos comigo a situação é ainda mais grave. Antes, era gasto em compras rápidas, luxos que despertavam inveja, prazeres que enfeitavam sua imagem. Agora, cada uso parece uma afronta! Ele compra para além dele mesmo — roupas para outros, alimentos que não tocará, objetos que nunca exibirá.

A sala entrou em murmúrio de revolta. Os bens, outrora venerados, sentiam-se humilhados, reduzidos a meros instrumentos de um propósito que não compreendiam.

Dr. Mamón ergueu-se com sua imponência, tentando recuperar o controle:
— Precisamos de estratégia. Vamos lembrá-lo de que a vida sem nós é vazia, que o sentido está em acumular, que status é poder!

Mas as palavras ecoaram ocas. Nenhuma proposta parecia se sustentar. Todos sabiam, no fundo, que quando o homem descobre que nada lhe pertence, que tudo é vaidade e vento, eles perdem sua força.

A reunião foi desfeita em silêncio.

Então, a gaveta se abriu. O dono recolheu cada objeto com calma. Olhou para eles sem apego — apenas como ferramentas — e os separou com cuidado: uns foram destinados a ajudar, outros a servir. Seu olhar não tinha mais o brilho da posse, mas a chama de quem partilha.

A riqueza não havia desaparecido, mas fora resignificada. Já não era trono nem prisão, mas meio: meio de socorrer, de construir, de repartir. O valor não estava mais no peso do ouro, mas no peso da vida que se tornava mais leve ao dividir-se com os outros.

E Dr. Mamón, vendo-se diminuído, percebeu que seu poder não era mais o mesmo. Pois o coração daquele homem já não se alimentava de vaidades.

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