Crônica: Muros

— Está mais bonito, você não acha? — disse Noa, com um sorriso orgulhoso, os olhos seguindo as pedras que subiam firmes até o céu.

— Está sim, Noa. Jerusalém voltou a ter rosto — respondeu Hadassa, ajeitando o véu sobre a cabeça, enquanto observava o vaivém no mercado recém-reerguido.

Desde que os muros foram reconstruídos, muita coisa tinha mudado. Era impossível negar. O medo havia diminuído, os portões estavam sendo vigiados, as famílias voltaram a andar com mais confiança pelas ruas de pedra. Havia mais cânticos nas praças, mais sacrifícios no templo, mais vestes rituais. Neemias — aquele copeiro que virou governador — fora usado por Deus como poucos homens. Um administrador como nenhum outro.

— Quando lembro como era antes… — Noa disse, pensativa — …quando os muros estavam em ruínas, e tudo era poeira e silêncio. Tínhamos vergonha até de orar em voz alta.

— Eu também me lembro — Hadassa respondeu, a voz baixa, quase sussurrando. — Mas às vezes me pergunto se não trocamos de ruína.

Noa franziu o cenho.

— Como assim?

— Olhe ao redor. Os muros estão de pé, mas… e os corações? Os mesmos que choraram quando Esdras leu a Lei — lembra? — hoje já murmuram. Já há quem negocie no sábado. Quem viva como se não tivesse voltado do cativeiro.

Noa ficou em silêncio. O sol batia forte sobre as pedras claras. Ao longe, via-se um grupo de homens debatendo acaloradamente sobre medidas e tributos. Mais adiante, duas mulheres discutiam o preço do azeite como se a vida dependesse disso.

— É verdade… — ela disse por fim. — O povo ergueu os muros, mas parece que ainda teme abrir os portões do peito.

Hadassa suspirou.

— Às vezes acho que muros altos demais nos impedem de ver o próprio coração. Construímos segurança, beleza, ordem… mas e sensibilidade? E rendição?

Noa desviou o olhar para a torre mais alta, recém finalizada. Era sólida, imponente. Mas fria.

— Você acha que Deus prefere um coração sem defesa?

Hadassa olhou para ela com serenidade, e respondeu apenas:

— Talvez Ele prefira um coração sem muralhas.

E assim ficaram as duas, olhando Jerusalém de cima, cercadas por pedras firmes, mas inquietas por dentro. Porque não há muro tão bem construído que resista à distância entre o homem e Deus.

E se, afinal, os corações que mais agradam ao Altíssimo forem justamente os que não sabem se proteger?

Respostas de 3

  1. Reflentindo no que li ,vejo nos tempos de hoje,em igreja líderes querendo mostrar templos bonitos, mais sem ,sensibilidade, sem rendição, Deus quer um coração quebrantado, um coração renovado por santidade, amor ao próximo e aos desviados,Deus não quer, que o ame por palavras mais por atitudes, e muitos acha que o muros altos é tudo que precisamos para dar segurança, mal sabendo eles que quem nos dá segurança é o nosso Deus

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